segunda-feira, 6 de novembro de 2017

"O Outro Lado do Paraíso": uma joia a ser lapidada

Por Murillo Victorazzo

No ar há duas semanas, "O Outro Lado do Paraíso" nos traz a linda fotografia do Tocantins, estado brasileiro pouco abordado em teledramaturgia, com sua capital planejada e a beleza impressionante do Parque Nacional do Jalapão. Reúne uma constelação de atores de primeiríssima linha poucas vezes vista em uma só novela. E aborda assuntos instigantes que merecem ser debatidos, um até de forma inédita para o horário nobre, os obstáculos sociais que envolvem o nanismo.

Ganância, discriminação social e racial, homossexualismo "enrustido", violência doméstica contra as mulheres...Tudo se encontra na novela. Pena que - até agora - através de texto e personagens maniqueístas, simplórios, caricatos, que lhes tiram muito a verossimilhança.

"Some com essa monstra daqui", diz a mãe que renega a filha anã. "Essa é sua filha de baixa estatura?  Tentei conhecê-la no casamento, mas só havia gente alta. Ah, ela nem é tão baixinha ", comenta a amiga ao encontrá-las em um restaurante. "Meu filho é macho. Panela não é coisa pra homem carregar", afirma a mãe do gay "no armário", que passa batom e veste robe de seda para se encontrar sigilosamente com um garoto de programa.

Frases e tipos burlescos somados à patroa que, diante da empregada "negrinha", refere-se repetida e pejorativamente ao quilombo de onde ela veio, e às quase diárias agressões do marido contra a esposa em apenas uma semana de casamento Na última vez, inseguro diante do elogio de um garçom ex-aluno dela: "A senhora continua bonita".

Exceto em um ou outro arroubo, dilemas, crueldades, aversões e preconceitos soltos sutilmente no ar valem mais do que contantes frases diretas e reações brutas, mais típicas de comentários em portais de notícias. Nuances, sensibilidade, "indiretas",´dissimulações, até ironias eventuais: é assim que uma personagem se torna interessante a ponto de nos incomodar e refletir. Do contrário, de tão forçado, apenas chama a atenção momentânea ou acaba no cômico. 

Funcional para boas audiências, esse é o estilo Walcyr Carrasco, famoso por pastelões das 18 horas, como "O Cravo e a Rosa"e "Chocolate com Pimenta", dramalhões de época ou tramas propositadamente pesadas, como o sucesso "Verdade Secretas". Todas sem o propalado objetivo da crítica social, cuja condição básica é levar o espectador a ver a si ou seu arredor nela, traço nítido na novela anterior,  na qual questões cotidianas polêmicas também foram levantadas, porém de modo sensível e complexo - e, portanto, mais real.

Assim como sua mocinha, Carrasco tem em mãos preciosidades. Mas diferente dela, não há megera alguma disposta a interná-lo para poder explorar  esse potencial suficiente para fazer uma bonita novela em todos os sentidos, como Glória Perez provou ser possível. Só nos resta torcer para que ele próprio saiba - ou, o mais provável, queira - lapidá-la.

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