sexta-feira, 31 de março de 2023

A sétima vida de Bibi?

Murillo Victorazzo

Bibi. A sonoridade do apelido talvez não corresponda a sua personalidade e seu estilo político. Com pequenas diferenças no tom extremado, Benjamin Netanyahu é, ao lado de Donald Trump, Wladimir Putin, Victor Orban, Jair Bolsonaro, Giorgia Meloni e Marine Le Pen, um dos expoentes da direita radical internacional. Controverso, suscita paixões e ódios, marca também de seus semelhantes, polarizadores por natureza. Extremamente habilidoso, carismático para muitos, dono de ótima oratória e pouco sutil em seus embates, é daquelas "raposas" políticas raras de se encontrar. Raposa com alma de gato, dadas as inúmeras vidas políticas que sempre aparentou ter. 
Desde o seu primeiro mandato, amigos e inimigos se surpreendem com a resiliência de Netanyahu. Eleito primeiro-ministro de Israel pela primeira vez em 1996, caiu em 1999, voltando a liderar um gabinete dez anos depois. Entre períodos de alta popularidade e crises que o obrigaram a convocar seguidas eleições sem que ninguém conseguisse a maioria na Knesset (o Parlamento israelense), havia deixado o cargo em 2021 já como o mais longevo premiê da História do país. Ultrapassara o lendário fundador da pátria judaica, o trabalhista David Ben-Gurion, principal voz do sionismo socialista.

Fragilizado por seu indiciamento por suborno e fraude, Netanyahu não conseguira articular uma aliança que lhe desse os 61 votos necessários para permanecer no poder. Seu partido, o Likud, porém, continuou a ser o mais votado. A coalizão governista que se formou tinha em comum apenas um ponto: a rejeição ao seu nome. Tão ampla quanto heterogênea, unindo ex-aliados nacionalistas, liberais, árabes-israelenses e partido de centro-esquerda, o Gabinete do centrista Yair Lapid não tinha como durar muito tempo. As contradições internas eram grandes. Aproveitando-se delas, Netanyahu voltou ao cargo em dezembro, após o quinto pleito em quatro anos. Uma vitória apertada, é verdade, mas suficiente para reforçar sua imagem de fênix.

Para muitos, era o prenúncio de outros tantos anos sob sua liderança, dada as dificuldades de uma oposição unida. Mas, em apenas três meses, tudo mudou. Uma polêmica proposta de reforma judicial colocou em ebulição o país. Há treze semanas, Israel é palco de gigantescas manifestações. Uma greve geral paralisou as principais cidades na última terça-feira, empresários e agências de rating alertam sobre fuga de investimentos e militares se negam a cumprir missões, indisciplina polêmica porém emblemática para um político que tem a segurança nacional como mantra. Ex-chefes do Mossad, o renomado serviço de inteligência externa, e do Shin Bet, agência de segurança interna, juntaram-se às críticas com fortes declarações.

Elaborado pelo ministro da Justiça, Yariv Levin, também do Likud, o projeto permite a anulação de decisões da Suprema Corte pelo Knesset. Bastaria a maioria simples de 61 votos. Nas democracias liberais mundo afora, é o Judiciário quem tem a palavra final. Prevê ainda mais três vagas para o Legislativo na comissão que nomeia juízes. Hoje ela é formada por oito membros: o ministro da Justiça, dois parlamentares (geralmente um da coalizão e um da oposição), dois advogados eleitos pela Ordem dos Advogados e três juízes da Suprema Corte, sendo um deles o presidente. A alteração daria à coalizão governista maioria. 

Israel não tem um Constituição escrita, mas conta com "leis básicas", que, desde sua fundação, têm status constitucional, e "leis comuns". Pela proposta, toda as leis básicas aprovadas com menos de 61 votos perderiam retroativamente esse status. É o caso da lei do "respeito ao homem e a sua liberdade”, baliza dos direitos humanos no país. "É justamente esta lei que mais incomoda o governo hoje em dia, pois é com base nela que a Suprema Corte veta a grande maioria das ações consideradas ilegais na Cisjordânia", afirma João Koatz Miragaya, editor do site Conexão Israel e do podcast "Do lado esquerdo do muro", título alusivo à posição geográfica do país em relação ao muro que o separa da Cisjordânia.

Ameaçado também está o acesso da sociedade civil à Suprema Corte. Há cerca de 20 anos, é permitido que, em determinadas questões, entidades não-estatais recorram ao Judiciário, direito que passaria a ser restrito à(s) pessoa(s) diretamente afetadas. Diversas organizações de direitos humanos recorrem à Corte para evitar abusos na Cisjordânia, muitas vezes em auxílio a quem não tem recursos para buscar a Justiça.

 “Nosso Estado decidiu experimentar um método de autodestruição. Israel chegou a uma situação muito perigosa em relação à segregação interna devido ao plano da direita para enfraquecer o sistema judiciário e transformar o país em uma ditadura. Tenho 70 anos. Nunca imaginei que chegaríamos a este ponto. Este é o maior perigo existencial desde a independência.", afirmou à BBC Tamir Pardo, ex-comandante do Mossad.

Tamanha reação tem sua razão de ser. Um dos orgulhos israelenses é a autoimagem de "única democracia" do Oriente Médio. Acostumados com turbulências envolvendo o país em suas relações internacionais e a Questão Palestina, a comunidade internacional se espanta com a inusual convulsão interna, que, porém, tem potencial para se refletir no campo externo. A Casa Branca não mediu palavras e pediu a retirada do projeto. A discórdia atingiu o próprio governo: após contundente discurso no Knesset contra o projeto, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, foi demitido. 

Diante das pressões e do clima conflagrado, Netanyahu anunciou, em um pronunciamento em que afirmou querer evitar uma guerra civil, a suspensão da tramitação da reforma até o fim do recesso legislativo, em maio. A greve-geral cessou, mas as manifestações continuam. Neste sábado, mais de 200 mil pessoas aglomeram-se na Kaplan, uma das principais avenidas do centro de Tel Aviv. A região metropolitana da cidade tem cerca de 1,5 milhão de habitantes. Muitos exigem o arquivamento imediato. A oposição coloca em dúvida a palavra do premiê. 

As posições de Netanyahu  em relação ao conflito com os palestinos são notórias. "Linha dura" com o Hamas, milícia terrorista que administra a Faixa da Gaza, e pouco preocupado com críticas a operações militares consideradas desproporcionais, é não só defensor dos assentamentos na Cisjordânia, ilegais sob o Direito Internacional, como defende sua expansão. Apoio a uma Palestina independente nunca estive em sua agenda. Em 2009, condicionou a abertura de negociações à desmilitarização do hipotético país, o que não foi aceito pelos palestinos. Ainda como líder do Likud, exortou os conservadores contra o Acordo de Oslo, assinado em 1993 pelo então primeiro-ministro Ytzhak Rabin e o líder da OLP, Yasser Arafat. Intermediado pelo presidente norte-americano Bill Clinton, foi o momento em que árabes e israelenses estiveram mais próximos da paz. Dois anos depois, Rabin foi assassinado por um judeu ortodoxo crítico ao acordo.

Netanyahu sempre foi um aliado pouco confiável. Umas das formas de castrar a ascensão de novas lideranças no próprio Likud era distribuir as principais pastas a membros dos outros partidos da coalizão, boicote que, de outra forma, atingia também essas siglas, com ele obstruindo a autonomia orçamentária desses ministérios. Contudo, diferente de outros nomes da direita radical, não se caracterizava pela retórica populista antissistema. Jogava o jogo partidário e respeitava os checks and balances institucionais típicos de uma democracia liberal. Na política externa, cacifou-se ao estabelecer, em 2020, relações diplomáticas com Bahrein, Marrocos e Emirados Árabes Unidos - os históricos Acordos de Abrão. Até então, entre os países árabes, apenas Jordânia e Egito mantinham relações com Israel.

O estilo centralizador, apesar de tudo, era digerível enquanto havia credibilidade. Quando tornou-se o primeiro premiê do país a ser réu, no cargo, por corrupção, parceiros tradicionais começaram a abandoná-lo. Restou-lhe atrair a frente ultranacionalista Sionismo Religioso e os ultraortodoxos religiosos do Yahadut Hatorá (Judaísmo da Torá) e Shas, legendas até então às margens do debate público, mas para as quais Netanyahu se viu obrigado a dar ministérios importantes. Dos 64 assentos que lhe dão maioria parlamentar, 32 pertencem a elas.  

Entre esses ministérios, coube o da Segurança Pública ao líder do Sionismo Religioso, Itamar Ben-Gvir. Conhecido por gestos teatrais e retórica incendiária a favor da total anexação da Cisjordânia, Ben-Gvir, ainda na juventude, juntou-se ao Kach, movimento racista criado pelo rabino Meir Kahana e colocado na ilegalidade pelo próprio Likud 30 anos atrás. Defensor de um Estado judeu teocrático onde não-judeus não teriam direito a voto, o kahanismo, na década de 90, utilizou-se da violência política contra palestinos, levando os Estados Unidos a considerá-lo uma organização terrorista. O atentado mais fatal ocorreu em 1994, quando Baruch Goldstein invadiu uma mesquita em Hebron e matou 29 pessoas, além de 150 feridos. 

Ben-Gvir foi proibido de servir às Forças Armadas e, em 2007, condenado por incitação ao racismo e terrorismo. Em entrevista recente à TV, mostrou orgulhoso a foto de Goldstein na parede da sala de sua casa. Poucos anos atrás, jornais israelenses estamparam fotos suas ao lado de um homem que vestia camisa pedindo a libertação do assassino de Rabin. Outro membro do Sionismo Religioso, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, gravou semana passada um vídeo em que afirma que "não há história ou cultura palestinas. Não existe povo palestino". No dia da greve-geral, kahanistas foram às ruas defender Netanyahu.

Israel tem  hoje o governo mais à direita de sua História. Assim que os resultados da eleição saíram em novembro, o cientista político Gayil Talshir, da Universidade Hebraica de Jerusalém, interpretou-os de maneira pouco otimista: "Israel está a caminho de se tornar a Hungria de Orbán". Segundo o próprio premiê húngaro, seu regime é uma democracia iliberal, enquanto a União Europeia o rotula como autocracia eleitoral. Qualquer que seja o nome dado, a reforma judicial confirma os maus presságios de Talshir. 

Embora encabeçada por Netanyahu, ela desperta forte entusiasmo entre seus aliados extremistas, que comungam com ele a vontade de tutelar a Suprema Corte. Suas consequências são nítidas: o empoderamento de deputados radicais religiosos e de ultradireita, sem amarras para cercear direitos de minorias, sejam elas os árabes ou a comunidade LGBTQIA+.  É sempre bom ressaltar que a democracia liberal não é apenas a "vontade da maioria"; é, antes de tudo, o respeito aos direitos fundamentais de todos. É esse caráter contramajoritário liberal dos Justiça que essa leva atual de populistas de direita deseja minar em todos os países em que obtêm o poder.

As circunstâncias internas e internacionais levaram Netanyahu a dar mais passos à direita. Junto com o interesse em escapar da condenação, seu filho Yar, bastante influente nas decisões do pai, mimetizou toda retórica trumpista. Nas redes sociais e em seu programa de rádio, ele ataca frequentemente as "elites esquerdistas" do país que dominariam a academia, o oficialato do exército e da polícia, os meios de comunicação e seriam financiados por estrangeiros, como George Soros. O chorume retórico é conhecido dos brasileiros: Yar é uma espécie de Carlos Bolsonaro com menos idiossincrasias. Teria sido dele a ideia de colocar detectores de metal na entrada da Esplanada das Mesquitas há alguns anos, o que gerou uma crise diplomática com a Jordânia e protestos violentos dos palestinos. São essas "elites progressistas ocidentais" que Putin, em defesa de sua invasão à Ucrânia, diz combater...

"O discurso populista de ataques às supostas elites e ao deep state encontrou eco em parte significativa da direita israelense. O governo não tem como explicar para o setor radical de sua base o fortalecimento do Hamas e da Jihad Islâmica, o porquê de não voltar a ocupar a Faixa de Gaza e nem anexar totalmente a Cisjordânia em todos estes anos, uma vez que teve todo o poder em suas mãos. Sendo assim, eles culpam os pkidim, funcionários concursados, que seriam quem realmente manda, o tal do deep state. Seriam eles os responsáveis pelos problemas do país, que freiam a direita a realizar seu governo tal qual gostariam. O Judiciário seria um desses obstáculos", explica Miragaya em seu perfil no Twitter. Familiar, não? Olavo de Carvalho vive.

Essas práticas e discursos são analisados nos livros "Como as democracias morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, e "Crises da democracia", de Adam Przeworski, hoje no pódio dos cientistas políticos mais lidos do mundo. São exemplos de "jogo duro constitucional", como conceituado pelos primeiros, ou de "subversão sub-reptícia", nas palavras do segundo: o uso de instrumentos constitucionais que fogem do "espírito da lei" e, utilizados dessa forma recorrentemente, corroem, aos poucos e por dentro, a democracia. Por enquanto, foi aprovado "apenas" o projeto de lei que passa exigir a concordância de dois terços do Gabinete para declarar um primeiro-ministro inapto. Afastamento apenas em casos de incapacidade física e mental e que exigirá a ratificação por uma supermaioria do Knesset.

Netanyahu, no entanto, encontra-se em uma encruzilhada. A suspensão da tramitação do projeto foi mal recebida por seus companheiros de coalizão, enquanto o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, repetia que ela mina "os valores democráticos compartilhados sobre os quais se baseiam os laços EUA-Israel". Smotrich conclamou os militantes de seu grupo a saírem às ruas: “Somos a maioria, vamos fazer ouvir a nossa voz. Não vamos deixar que nosso voto e o Estado sejam roubados de nós”. Levin, em comentário nas redes sociais, assegurou a um apoiador que "fará esforço supremo para que a justiça seja feita e aprovemos a legislação na próxima sessão. Vamos organizar manifestações em todo o país para que eles saibam o que a maioria quer. Espero que aqueles que nos prejudicaram de dentro parem com isso". 

Nos comentários da postagem, Lapid, hoje líder da oposição, retrucou: "Para todos aqueles que estavam se perguntando por que eu sou completamente cético. Netanyahu precisa deixar claro que essa não é sua opinião, com seu ministro da Justiça confessando que as negociações são uma farsa". Ben-Gvir, sem surpresa alguma, foi o mais incendiário: ameaçou renunciar, o que significaria a dissolução do Gabinete, e disparou contra Washington: "A reforma judicial não pode ser parada e não podemos nos render à anarquia. Israel não é outra estrela na bandeira americana. Espero que o presidente dos Estados Unidos entenda isso". Na última quarta-feira, cerca de 30 mil pessoas se reuniram em Tel Aviv em apoio ao premiê. Não faltaram faixas com xingamentos a Biden. Até uma bandeira confederada, utilizada pela extrema-direita norte-americana, fez-se presente.

Crítico da expansão de assentamentos judaicos na Cisjordânia, Biden entende, antes de tudo, que a crise interna dissemina a cizânia nos quartéis israelenses, inflama os palestinos e tira o foco da prioridade da política externa de Netanyahu: o Irã, considerado o principal e mais perigoso inimigo de Israel. Ao tomar posse dois anos atrás, estava disposto a ressuscitar o acordo nuclear com os iranianos, o que exigiria o afrouxamento das sanções. No entanto, o pouco entusiasmo dos persas, a decisão deles de fornecer armas à Rússia e a recente violenta repressão ao protestos contra o governo nas ruas de Teerã levaram-no a uma mudança de tom. Netanhyahu sempre foi contra qualquer tipo de acordo com os aiatolás e agora poderia beneficiar-se de uma mais incisiva pressão dos Estados Unidos. Não importa a irritação de outros membros do governo, o premiê sabe, ou deveria saber, que apenas junto à Casa Branca impedirá a construção do arsenal nuclear iraniano.

Sem os norte-americanos, Israel tampouco conseguirá normalizar as relações diplomáticas com a Arábia Saudita, outra meta de Netanyahu que se tornou ainda mais primordial após o anúncio, semana passada, do estabelecimento de relações entre Riad e Teerã, mediado pela China. Biden é o único líder que pode oferecer à monarquia absolutista dos Saud as garantias de segurança que exigem. Desde que voltou suas atenções ao embate com os chineses e, mais recentemente à guerra na Ucrânia, o Oriente Médio perdeu a primazia no radar dos Estados Unidos. Entretanto, o que seria concretização da expansão dos Acordos de Abrão, como inicialmente buscado em 2020, serviria como relevante contraponto à crescente presença de Pequim na região.

O momento para o acordo parecia mais favorável durante a gestão Trump. Pode soar estranho, visto que a retórica do Islã como ameaça ao Ocidente é basal na direita reacionária internacional. Mas tanto o sanguinário príncipe saudita Mohammad bin-Salman, como o premiê israelense e o ex-inquilino da Casa Branca compartilham uma visão etnorreligiosa de mundo. Para eles, soberania nacional é preservar as características "originais" de seus países, o que explica verem a imigração como ameaça.

"O atual gabinete de Israel há tempos flerta com bin-Salman. A aversão ao muçulmanos fica dentro de suas fronteiras. Fora, a extrema-direita criou o espantalho do globalismo e se une às monarquias islâmicas contra ele. É aí que os interesses se encontram", explica Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV-SP e coordenador do Observatório da Extrema-Direita. A proximidade é comprovada nas votações na ONU sobre assuntos relacionados a direitos humanos e costumes. Inclusive com o voto do Brasil de Bolsonaro, que elevou ao topo de sua lista de viagens essas monarquias. "Temos certas afinidades", disse o ex-presidente sobre o comprovadamente assassino bin-Salman. Sobraram joias em retribuição. Também não são poucas as notícias acerca de supostos financiamentos sauditas para partidos de direita radicais europeus. Sim, esses que, lá como cá, falam defender a “liberdade”…

Netanyahu precisa da boa vontade de Biden, um casamento que já sofrera abalos com seu hesitante posicionamento acerca da invasão russa. Mais do que as afeições pessoais e a proximidade ideológica entre Putin e ele, um bom relacionamento com o Kremlin é crucial para a manutenção, sem restrições, das incursões militares israelenses na Síria, ataques geralmente aéreos que visam destruir instalações de organizações apoiadas pelo Irã, como o Hezbollah. A Rússia é o principal sustentáculo do regime de Damasco. Na última sexta-feira, mísseis foram lançados pela sexta vez neste mês. Um oficial da Guarda Revolucionária Iraniana morreu, informou Teerã.

Informações de que os russos têm enviados para o Irã armas norte-americanas capturadas na Ucrânia reforçaram a percepção de uma crescente cooperação militar entre os dois países. “O Irã está ganhando importante conhecimento e experiência no campo de batalha na Ucrânia, que acabará sendo transferido para seus perigosos representantes no Oriente Médio. Isso representa sérios desafios para a região e para a segurança de seus cidadãos”, acusou o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, em entrevista coletiva ao lado de Gallant, em Tel Aviv, no início do mês.

"O presidente dos EUA não será capaz de dedicar tempo substancial a essas duas questões [Arábia Saudita e Irã] enquanto o teatro palestino arder em chamas. Ele dificilmente lutará para convencer sua administração a ajudar o governo israelense enquanto Israel estiver se distanciando do Ocidente (por não apoiar firmemente a Ucrânia) e enfraquecendo sua democracia (aprovando a reforma judicial)", escreveu, em artigo na revista Foreign Affairs, Amos Yadlin, ex-chefe de inteligência militar das Forças de Defesa de Israel e ex-diretor-executivo do Instituto de Estudos de Segurança Nacional.

O clima em Israel é de tenso impasse. Na última quinta-feira, o presidente Isaac Herzog convocou representantes da coalizão governista e da oposição para tentar avançar em negociações. Netanyahu não pode participar, pois está proibido pela Justiça de se envolver pessoalmente em assuntos que signifiquem conflito de interesses. Acuado pela ameaça de renúncia de Ben-Gvir, o premiê prometeu criar uma Guarda Nacional que ficaria sob direção do ministro. Pode-se imaginar o potencial explosivo de uma milícia sob ordens de um extremista com seu historico. Uma milícia oficial, destinada a policiar locais em que palestinos e israelenses vivem próximos.
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Na Itália da década de 20, outra “raposa”, o liberal Giovani Giolitti, também na tentativa de voltar a ser primeiro-ministro, convidou para sua chapa um pequeno partido até então similarmente restrito às franjas da sociedade por suas posições extremadas e violência política. Seu líder se chamava Benito Mussolini. Giolitti imaginou ser possível domesticá-lo, mas, além de não conseguir maioria, viu o fascismo, ainda com apenas 20 deputados, ganhar peso relativo e ser chancelado pela democracia liberal para posteriormente implodi-la por dentro. O conteúdo dos movimentos são distintos; mas comparação serve para ressaltar o perigo da normalização de ideias extremadas por líderes do mainstream político.

O dilema está colocado. Uma certeza há: os Estados Unidos são imprescindíveis à segurança de Israel. Netanyahu talvez esteja apostando na volta de Trump em 2024. Ninguém sabe, contudo, até onde o republicano iria. Refém de seus aliados radicais, o governante que sempre se portou como o defensor dos interesses nacionais, vê sua imagem se desgastar rapidamente. Temendo a cadeia, reforça, com a reforma, a percepção de que está disposto a erodir os alicerces de Israel em busca de benefícios pessoais. Pesquisas realizadas nesta semana revelaram números nunca antes tão negativos a ele: perto de 70% da população não confiam no premiê. Se as eleições fossem hoje, o governo perderia 11 cadeiras e cairia. O felino Bibi pode estar ao fim de mais uma vida. Será a sétima?

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