terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Caindo de podre

Por Murillo Victorazzo

Uma breve passada pela História nos mostra que regimes autoritários recrudescem quando se veem ameaçados. Paradoxalmente, é um dos sinais de sua debilidade. Se o chavismo, quando seu mentor estava vivo, permitia debates sobre se era ou não uma ditadura no sentido clássico da palavra, trazendo consigo visões distintas sobre o conceito de democracia direta, Nicolás Maduro dissipou qualquer dúvida.

Com Hugo Chávez, faça-se justiça, alguns indicadores sociais melhoraram na Venezuela,  apesar da corrupção crescente e da perseguição a adversários, incluindo meios de comunicação. Os tempos do petróleo em alta permitiam.

Entretanto, a visão anacrônica de um estatismo exagerado, ou, como seus seguidores preferem dizer, o "socialismo do século XXI", enterrou a iniciativa privada do país, tornando-o refém de sua riqueza natural.  A inflação disparou, e o desabastecimento deu as caras.

Para o azar dos venezuelanos (ou sorte), a maré econômica começou a virar quase ao mesmo tempo da morte do líder bolivariano. Pode-se falar tudo de Chávez, mas seu carisma e liderança inegáveis conseguiam arrefecer certos incômodos entre seus eleitores. Além de unificar e inebriar seus correligionários.

Maduro é o homem errado na hora errada. Seus discursos sobre conspirações ou aparições do líder morto beiram o ridículo. Não impõem respeito. Algumas decisões, como criação de órgãos ou ministérios esdrúxulos, também. Dentro das hostes bolivarianas, não aglutina como seu antecessor. Em um ambiente de deterioração econômica, que já faz retroceder os ganhos sociais, sua fraqueza, já evidenciada em sua estreita e polêmica eleição, se potencializou.

A saída foi aumentar a coerção, deixar cair a máscara e revelar a essência do regime, com um decadente projeto mal-acabado de ditador. Sim, projeto, porque a Maduro falta qualidades até para entrar no hall dos "grandes" ditadores, com visões estratégicas, maiores profundidade ideológicas, posturas condizentes e talentos administrativos - por pior que moralmente fossem.

A situação na Venezuela ganhou contornos perigosos a partir da detenção do prefeito da capital, Antonio Ledesma, eleito, assim como Maduro, pelo povo. A severa repressão às manifestações ano passado já indicavam este caminho. O pretexto de uma suposta participação do prefeito em um complô golpista não encontrou eco nem mais em alguns políticos à esquerda do país.

Até mesmo o Itamaraty, tão cheio de melindres quando o assunto é a crise venezuelana, subiu o tom em sua última nota, embora acaricie Maduro ao se dizer preocupado com "iniciativas tendentes a abreviar o mandato presidencial".

"São motivos de crescente atenção medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos", diz o texto da chancelaria brasileira. Longe do ideal, mas um sinal de que o sinal amarelo acendeu em Brasília. Ainda que seja difícil de crer, espera-se iniciativas práticas e imparciais.

Não se sabe o modo e o tempo que irá levar; torce-se para que seja pacificamente - e a atuação do Brasil será essencial para que sim. Mas o regime chavista começa a dar sinais de naufrágio. Nicolás está ( com o perdão do trocadilho óbvio) caindo nem tanto de Maduro, mas sim por estar podre.

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