quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Japão sai de sua “sonolência” pacifista

Por Philippe Pons ( Le Monde/UOL, 20/02/2015)
Desde sua derrota em 1945, o Japão passou por um período excepcional de prosperidade e de paz em uma Ásia abalada por guerras, como a da Coreia e do Vietnã. Ele foi um notável exemplo de uma modernização destacada do molde do Ocidente, cujas técnicas e práticas ele adotou sem jamais ter colonizado e perdido sua identidade, e continua sendo um dos países mais prósperos e mais avançados tecnologicamente do planeta.
Mas sua era de ouro está prestes a terminar: como reverberação de um conflito afastado de sua ancoragem asiática, ele está sendo sugado para dentro da globalização política depois de ter entrado relutantemente na globalização econômica. A execução de dois reféns japoneses em janeiro pelo Estado Islâmico revelou a seus compatriotas que o Japão agora era assemelhado aos países que o combatem militarmente.

Até hoje, o Japão havia sido amplamente poupado pelo terrorismo: as ações do grupo Exército Vermelho nos anos 1970 ou da seita Aum em 1995 eram questões internas.

Alegando seu pacifismo constitucional que lhe proíbe de recorrer à guerra, ele ainda evitou se envolver diretamente nos conflitos conduzidos por seu mentor americano, contentando-se em lhe servir de base de apoio na Coreia e no Vietnã. Depois ele contribuiu financeiramente para a primeira guerra do Golfo (1990) e, após a invasão do Iraque em 2003, enviou um contingente restrito a operações de manutenção de paz. Uma iniciativa impopular, mas pelo menos ele permanecia afastado.

Essa posição distanciada agora é coisa do passado. Enquanto parte da opinião pública critica a maneira como Tóquio conduziu (ou mais exatamente, não conduziu, segundo certos comentaristas) as negociações para salvar os reféns, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, clama que pretende "fazer com que os autores desse crime paguem por isso".

Esse apelo por vingança até hoje não fazia parte do vocabulário diplomático japonês. Aproveitando sua maioria no Parlamento e a onda de indignação e de preocupação despertada por esses assassinatos, o governo pretende conseguir a aprovação, durante a sessão parlamentar que termina em junho, uma dezena de leis que permita que o Japão participe de um sistema de defesa coletiva e intervenha no exterior.

Tóquio está discretamente aumentando sua presença militar em Djibouti (onde está estacionado um contingente de 200 homens para o combate à pirataria no Chifre da África), para criar uma "base" operacional na África e no Oriente Médio.

Além disso, o Japão poderá participar de uma licitação para a construção de um submarino australiano, confirmando sua entrada no mercado de armamentos (as restrições estabelecidas para a exportação de armas foram retiradas em abril de 2014).

Sutilmente, Abe vai abrindo o dogma pacifista (já erodido no passado por legislações de exceção) sobre o qual se construiu a prosperidade do Japão no pós-guerra. A direita (de onde ele se originou) nunca o aceitou ("está na hora de o Japão sair de sua sonolência pacifista", ressalta o entourage do primeiro-ministro), mas a maioria está do seu lado.

Segundo Hitoshi Tanaka, presidente do Instituto de Estratégia Internacional e ex-vice-ministro das Relações Exteriores, "o ambiente de segurança internacional mudou e o Japão precisa se adaptar".

Em um editorial recente, o jornal "Asahi" (centro-esquerda) ressalta que "o Japão não deve de forma alguma se envolver em ações militares", lembrando "o caos que resultou da invasão do Iraque" e alertando contra "o perigo de se responder à força bruta com força bruta". Para o jornal, a "doutrina pacifista continua sendo a melhor defesa do Japão."

Para além do debate sobre os meios de assegurar a segurança do Japão surge a questão dos recursos à sua disposição para colocar em prática a ambição da direita de ter um maior papel no cenário internacional através daquilo que ela chama de "pacifismo proativo".

O Japão não está em uma situação invejável: a ascensão da China, que lhe tirou a supremacia regional, conjugada à estagnação econômica, prejudicou sua autoconfiança.

É verdade que se trata de um declínio relativo: o Japão continua sendo a terceira maior potência econômica do mundo e, apesar de um crescimento nulo ou pequeno, não passa pela instabilidade social de muitas outras democracias avançadas.

Mas para se projetar internacionalmente, o Japão precisaria de uma "retaguarda" sólida em sua própria região, o que não é o caso. O negacionismo demonstrado pelo primeiro-ministro (que minimiza ou nega os abusos do Exército imperial) enfurece seus vizinhos chineses e coreanos. Pequim e Seul certamente usam com fins políticos internos o nacionalismo de Abe.

Em sua ambição de poder, "Pequim precisa marginalizar o Japão", acredita Hiroshi Tanaka. Só que qualquer avanço de Tóquio no domínio da defesa é visto em Pequim e em Seul como uma ameaça potencial que provoca tensões.

O Japão é a pedra angular da estratégia americana de voltar seu foco para a Ásia após os reveses sofridos no Iraque e no Afeganistão. Mas Washington também quer construir uma parceria estratégica com a China, e Tóquio tem menos certeza de um compromisso americano pleno. Já Pequim alerta o Japão: ele não pode esperar ter boas relações ao mesmo tempo com a China e os Estados Unidos.

A margem de manobra de Tóquio, portanto, é estreita: sua participação em um sistema de defesa coletivo corre o risco de arrastá-lo junto com os Estados Unidos para dentro de guerras que ele não quer, e Pequim não está disposto a vê-lo reforçando seu poderio militar.

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