sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Itália está à beira da derrocada?

Por Carlo Ungaro (Open Democracy,19/07/2011)*

Nas últimas semanas, tem sido crescente, tanto na Itália como no exterior, a especulação sobre se o "contágio grego " acabaria atingindo os mercados financeiros italianos. A reação oficial foi minimizar o perigo e chamar a atenção para os esforços do governo (e do Parlamento) em aprovar um orçamento de austeridade excepcionalmente severo, projetado para tirar o país da beira da insolvência.

Até então, o feroz debate sobre as medidas de austeridade insistentemente exigida pela comunidade internacional ocorria até mesmo dentro da maioria governista. Mas, de repente, quando o mercado financeiro italiano foi atropelado por uma crise profunda que parecia arrastar o país por meio de um turbilhão de erros e  insolvência, as discussões se tornaram urgentes.

Em uma surpreendente mudança de ritmo, no final da semana, ambas as Casas do Parlamento italiano aprovaram a lei de orçamento mais controversa da história do país. Foram fixadas medidas de austeridade no valor de cerca de setenta milhões de euros. Os principais partidos de oposição, ainda debilitados com os recentes resultados eleitorais e do referendo, não tiveram escolha. Acataram o pedido do presidente da República para não obstruírem a votação e permitiram que a mais impopular lei, já definida como "brutal", fosse rapidamente aprovada.

Os perigos enfrentados pelos mercados econômicos e financeiros em grande parte do mundo, e não só na Itália, foram e estão sendo analisados com muita competência. Delineam um futuro incerto e potencialmente sombrio. Na Itália, o quadro é ainda mais complicado devido ao crescente caos político que pode revelar-se como um divisor de águas na curta história da República italiana. Podem ser sentidos efeitos muito mais profundos e graves do que uma tradicional "crise de Governo". O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, depois de mais de uma semana de incomum ausência na cena pública, esteve presente na Câmara na segunda votação parlamentar. Mas, extremamente reticente, reservou-se a apenas algumas observações para um pequeno e seleto número de políticos e jornalistas.

Foi sobre o desaparecimento da Estrela de Prata, um campeão de corrida de cavalos, que Sherlock Holmes comentou sobre o "estranho comportamento do cão na noite". O cão, é claro, não tinha feito nada, o que parecia estranho para o grande detetive. O silêncio de Berlusconi é um elemento novo na cena política italiana. Tem sido muito comentado, já que a personalidade normalmente loquaz e,de fato, tagarela do primeiro-ministro não é geralmente associada com o termo "low profile", especialmente em momentos de turbulência política. Berlusconi, no entanto, fez-se praticamente invisível. Seus comentários resumiram-se a poucas notas lacônicas emanadas de seu gabinete no Palazzo Chigi.

Há muitas explicações possíveis, algumas ligadas às vicissitudes pessoais do primeiro-ministro, que recentemente deu uma guinada para o pior. Mas a principal é o fato de que ele é um populista e, portanto, não pode trazer para si o anúncio de más notícias, a menos quando pode responsabilizar outra pessoa. E, apesar da trégua aparente, com o qual os experts do governo estão tentando lidar, provocada pela aprovação no último minuto deste incrivelmente grave e, talvez, não inteiramente pensado pacote de "medidas de austeridade", tem havido muitas más notícias na Itália. Pior: outras mais são esperadas, e todas com conseqüências potencialmente incertas e imprevisíveis.

Já há, como é costume na Itália e, mais do que nunca, nestes dias de iminente crise política, um sentimento de que as coisas estão caindo aos pedaços. Por exemplo: em meio a uma conferência de imprensa conjunta,o membro mais influente do governo, o ministro da Economia, Giulio Tremonti, chamou, em voz alta e publicamente, um de seus colegas de "cretino". E o próprio primeiro-ministro reclamou com a imprensa oposicionista de que era impossível trabalhar com Tremonti, pois ele se considerava "o único membro inteligente do Governo ". Na Itália de hoje, no entanto, tudo isso dificilmente levanta as sobrancelhas. A principal queixa da oposição é que as medidas mais impopulares e dolorosas previstas na proposta de orçamento -que cresceu, no curso de alguns dias, de cerca de 30 para 70 bilhões de euros- entrarão em vigor após 2013. A difícil tarefa de sua realização será deixada para o próximo governo

Então veio o violento ataque ao sistema financeiro italiano (dias inimaginavelmente chamados de "Black Friday" e "Black Monday") e todos os perigos que pareciam seguramente distantes, de repente, tornaram-se palpáveis e iminentes. O governo se viu pressionado e a oposição, obrigada a engolir a pílula amarga: embora com seu voto contrário, permitiu a aprovação das medidas.

Uma série de questões fundamentais precisa ser abordada em qualquer tentativa coerente para compreender a situação atual e supor o que o futuro próximo nos reserva. O pacote de austeridade tem sido alvo de fortes críticas - muitas, de certa forma, justificadas. Sem examinar as medidas em detalhes, algumas são fundamentalmente negativas e talvez até mesmo perigosas. Serão sentidas principalmente pela classe média baixa, já testada pela divisão cada vez maior entre ricos e pobres na Itália. A capacidade de gasto bastante reduzida vai diminuir o consumo, o que, portanto, aumentará os riscos de desaceleração de uma economia vacilante. Além disso, o pacote não contém estímulos confiáveis para incentivar a produção.

A questão fundamental, entretanto, descansa na dúvida se o atual governo italiano, dividido como está, e com sua atuação extremamente pobre em matéria econômica, terá a força, a resistência, ou mesmo a vontade política para levar a cabo medidas que irão certamente diminuir a sua popularidade já instável. Os prognósticos não são animadores. As perspectivas políticas são extremamente sombrias, muito além do sentimento de pânico provocado pelos problemas econômicos e financeiros que afligem o país.
 
Os eventos mais recentes parecem mostrar que o mercado financeiro internacional está longe de ser convencido da validade das medidas de austeridade italianas. A pressão sobre a economia parece continuar sem pausa, enquanto a confusão e as divisões na maioria aparentam, até agora, estar totalmente fora de controle. O normalmente hiperativo Berlusconi dá a impressão de ter se tornado uma força desgastada. Em circunstâncias normais, um governo pego em tal dilema não teria outra escolha a não ser a renúncia. Deixaria caminho aberto tanto para a convocação de eleições como para a formação de um novo governo, possivelmente liderado por uma personalidade que não esteja envolvida no atual tumulto político. Teria como tarefa provocar as alterações necessárias no pacote de austeridade e tentar salvar os dois últimos anos restantes da atual legislatura.

Neste momento, nenhuma dessas soluções parece provável. O país parece caminhar rumo a um futuro extremamente incerto. O descontentamento popular cresce e a desconfiança no poder político -tanto na maioria e na oposição- atinge níveis sem precedentes, mesmo na Itália. Golpes ainda maiores no mercado financeiro poderiam forçar uma solução, e há alguns sinais, especialmente mas não só na oposição, de que a formação de um governo "técnico" poderia estar no horizonte. Seria imprudente, porém, colocar muita fé nisso.

*Tradução livre do blog
Carlos Ungaro é diplomata aposentado italiano

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