terça-feira, 2 de novembro de 2010

2014 é logo ali

Por Murillo Victorazzo
Há uma máxima entre políticos e especialistas da área de que uma eleição começa quando a anterior termina. Descontados os exageros, a frase guarda uma boa dose de verdade. A presidente eleita Dilma Roussef nem diplomada pelo TSE foi e os partidos da base iniciaram as cotoveladas para definirem seus espaços no novo ministério. Do mesmo modo, na oposição, 48 horas depois da derrota, foi dada a largada para a lavagem de roupa suja em público. O motivo é um só: o realinhamento do mapa político-eleitoral do país visando 2014.
Quatro anos é, em tese, muito tempo. E a história mostra como o quadro imaginado não se confirma. Mas a próxima eleição presidencial, ao contrário das anteriores, quando havia antecipadamente um candidato natural (o presidente em busca de reeleição, no mínimo), é uma incógnita ainda maior. A falta de estatura política da presidente eleita Dilma Roussef e a sombra do presidente Lula potencializam as dúvidas não só sobre o novo governo como se ela disputará mais um mandato.
Além do imponderável que, às vezes, transforma o processo eleitoral insperadamente, várias incertezas explicam o mistério. Lula, de fato, desejará voltar ao governo daqui a quatro anos? Caso Dilma tenha se saído bem avaliada, poderá ela, dona da caneta, bater de frente com ele para ser a candidata do PT? Ou, o contrário: será que ele não irá preferir manter a imagem de quase um mito, deixando como sua marca na história estes oito anos dos quais saiu com 80% de aprovação? Para que, afinal, correr o risco de ver esse capital político gigantesco se diluir em um outro mandato?
Por outro lado, na hipótese de o governo Dilma fracassar retumbantemente, terá Lula disposição para passar toda a campanha eleitoral com o ônus de ter que assumir a responsabilidade da escolha feita em 2010? Sem dúvida, neste cenário, a possibilidade de derrota aumentaria muito, já que os eleitores poderiam culpá-lo pelo eventual desastre. O discurso da volta para consertar um erro não é de fácil assimilação.
Além destas incertezas, há outras dentro da própria base governista. Pela primeira vez como sócio e não apenas como aliado, o PMDB do vice-presidente eleito, Michel Temer, fincará o pé em busca de mais espaço no próximo governo. A ciumeira já começou. O partido fez questão de deixar claro o incômodo por não ter visto um nome seu na equipe de transição, o que levou a presidente eleita emitir nota incluindo Michel Temer no grupo que já contava com os petistas Antonio Palocci, José Eduardo Dutra e José Eduardo Cardoso.
O casamento PT x PMDB será, durante o novo mandato, uma constante relação de amor e ódio. Será que a animosidade não prevalecerá e, com mais poder acumulado, os peemedebistas, enfim, tomarão coragem de lançar candidato próprio? Alguns nomes do partido saíram especialmente mais fortes destas eleições. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, é um deles.
Além de reeleito no primeiro turno com 66% dos votos, Cabral se jogou de cabeça na campanha da petista. O discurso de parceria foi fundamental para a ampla vitória dos dois no estado. Tem agora cacife para exigir mais recursos e espaço. Além disso, não nos esqueçamos que a capital fluminense terá que ganhar atenção especial por ser palco das Olimpíadas de 2016 e da abertura da Copa de 2014.
Outro partido aliado que saiu mais forte foi o PSB. Com seis governadores eleitos, os socialistas deverão também lutar por mais espaço. Se, este ano, já houve alas da sigla que tentaram lançar Ciro Gomes candidato a presidente, pode-se imaginar que a ideia da candidatura própria ganhará mais força a partir de agora. No mínimo, para barganhar a vice-presidência em 2014.
O governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos, campeão de voto no país (obteve 82% dos votos), surge como a principal carta do partido para as negociações que virão. Seu nome tem simbolicamente o peso de ser do Nordeste, região que se tornou uma fortaleza para o lulismo, embora, pardoxalmente, isto possa lhe enfraquecer. O costume é compor chapa com políticos de regiões onde são mais fracos eleitoralmente.
Do outro lado do tabuleiro, mal as urnas foram fechadas, o PSDB externou seus dilemas existenciais e suas divisões internas que perduram há anos. Aquele partido fundado há 22 anos como a esquerda do PMDB, uma sigla social democrata, com valores liberais - no sentido moral da palavra e não econômico - não existe mais. Se há uma certeza que surge deste pleito é a de que os tucanos ganharam uma feição mais forte de partido conservador. Discursos e temas levantados pelo candidato José Serra e seu círculo embasam a afirmação.
Se, por um lado, não se pode dizer que tenham se tornado uma sigla essencialmente de direita, por outro, é fato que se tornou o preferido deste espectro da sociedade. Ocupou o espaço deixado pela falta de um partido forte confessamente de direita. O DEM, que seria o representante natural e legítimo destes setores, por sua debilidade eleitoral, preferiu manter-se como satélite tucano. Alguns líderes do partido ameaçam partir para voo solo, mas a falta de nome é mais um empecilho para concretizar a separação.
Mesmo em relação aos feitos quando governo, o PSDB parece ter dificuldade em superar a sua esquizofrenia. Não por acaso o ex-presidente Fernando Henrique já veio a público dizer que não irá mais endossar "um PSDB que não defende sua história". Também lá de São Paulo, outro disparo foi feito, desta vez acirrando as divergências internas. O coordenador do programa de governo de Serra, Francisco Graziano, em seu twitter, ironizou a derrota de seu candidato em Minas Gerais, responsabilizando, indiretamente, seu colega de partido Aécio Neves.
Muitos garantiam que esta seria a última tentativa de Serra para chegar ao Planalto. O político que garante ter se preparado a vida inteira para se tornar presidente, porém, ao reconhecer a sua segunda derrota em nível nacional, não pareceu ter jogado a toalha. E mais: acenou para uma oposição mais belicosa da que fez até então. Ainda que tenha anunciado não pretender a presidência do PSDB, Serra, a priori, não pode ser uma página virada, embora a tendência seja que Aécio torne-se o líder da oposição.
O ex-governador mineiro terá a visibilidade que um mandato de senador - e não um senador qualquer - lhe garante e pode ser o sangue novo necessário para despertar novas ideias e paixões. O terreno, de todo modo, é fértil para a colheita de fortes embates neste ninho, especialmente se indagarmos o que o paulista Geraldo Alckimim, como governador do estado mais rico e populoso da federação, pensa a respeito de seu futuro político.
No entanto, mais do que nomes, o PSDB precisa urgentemente criar novas bandeiras e decidir o que quer ser: uma UDN com modelito século XXI ou um partido realmente social democrata. Não é uma escolha fácil. Ao caminhar para a centro-esquerda, abandonando a esquerda socialista, o PT, com Lula e agora Dilma, parece ter se legitimado como o representante da social democracia. E com uma vantagem que os tucanos não tem: bases sociais mobilizadas. As posturas erráticas dos tucanos facilitaram este processo. Ao contrário do som, o poder se propaga no vácuo - deixado pelo adversário.
Há tempos muitos dizem que tucanos e petista estariam fadados a serem aliados. O realinhamento petista poderia ter facilitado esse movimento esperado, se os dois partidos não tivessem se tornado os dois únicos pólos de poder no país, com o PSDB dando um passo para a centro-direita. Hoje, nem os mais otimistas acreditam na aproximação.
Até por questão de sobrevivência, na expectativa de voltar ao poder central, os tucanos terão que fazer uma oposição mais intensa para se diferenciarem. Como os pilares das política econômica são consenso entre os dois lados, o mais provável é que eles acabem cada vez mais parecidos com o DEM, incorporando os setores (e valores) mais conservadores.
Aprovar ou não esta contínua guinada é decisão do eleitor. Mas é impositivo que, para dar certo, ela seja nítida, programática e sem idas e vindas. Como se vê, este balaio de variáveis, seja nos governistas como na oposição, explica por que apenas 48 horas separaram a eleição de Dilma do pleito de 2014...

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