sábado, 27 de novembro de 2010

A timidez sobe os palcos

Por Murillo Victorazzo (matéria produzida, mas não publicada, na ISTOÉ, 2003)

Eles são famosos, vivem do seu talento e imagem. Dar autógrafos e entrevistas faz parte de seus cotidianos, mas este estilo de vida, que para o público poderia significar o mesmo que ser extrovertido, nem sempre é a realidade. Quando se pensa em tímidos famosos, não há como não lembrar do nome de Paulinho da Viola. Conhecido como o “Príncipe do Samba”, ele é o oposto do artista que lida com a mídia com naturalidade. “Já fui muito mais tímido. Superei a timidez na marra.”, conta.

Paulinho é daquelas pessoas que têm aversão a tumulto. “A última vez que fui à Portela não conseguia falar com ninguém, me senti muito mal.” Sua personalidade se reflete até na preferência de uma samba em ritmo mais lento, o que, aliás, já foi motivo de discussões com sua escola de samba: “Prefiro um samba mais lento. Se o pessoal da Portela diz que assim não dá para para passar o desfile, prefiro nem ir, vou para casa dormir”.

Criado em uma família muito reservada, Paulinho foi educado de forma muito conservadora, o que, segundo ele, incentivou sua timidez. “Fui um menino muito sozinho e era no porão da minha casa onde me sentia mais seguro. Descobri que existe um monte de gente assim, que se esconde em um buraco e fica fantasiando. Gosto de ver uma criança falando sozinha, porque sei que ela está em seu próprio mundo”, revela. O compositor crê que o tímido tem problemas para “romper com tudo que o faz sofrer”: “A timidez muitas vezes afasta as oportunidades. Tive que fazer um esforço enorme para acabar com isso.”

Quem acompanhou as cenas de nudez e a sensualidade da personagem Anita em A Presença de Anita não poderia imaginar que a timidez fosse uma das características da atriz Mel Lisboa. Dona de um temperamento introvertido, Mel costuma dizer que é uma “tímida extrovertida” ou que tem “uma timidez localizada”, porque, segundo ela, só em certas situações fica inibida. “Eu me retraio diante de pessoas desconhecidas. Posso até parecer extrovertida, mas, se comentam sobre mim, morro de vergonha”, confessa.

A convivência com outros artistas e famosos não a impede de “sentir um frio na barriga” quando encontra alguém que admire muito. “Fico sem graça de ir falar com a pessoa e, depois, me arrependo. Continuo assim, mesmo estando nesse meio.” Por incrível que pareça, Mel fica intimidada quando se vê diante de uma máquina fotográfica. “Foto é um ponto fraco meu”, brinca. Apesar deste temperamento, que considera “saudável”, nunca a atrapalhou em sua profissão, jamais pensou em desistir de ser atriz: “Minha timidez nunca foi grave o suficiente para ter me impedido de atuar ou ter me desestimulado no início da carreira”.

A timidez de Mel pode ser medida pela resistência em expor seu corpo. Em contraste com sua Anita, ela costuma usar roupas mais discretas e fechadas. “Acho que usar mini-saia é uma atitude muito ousada”, diz. Esse modo de se vestir pode parecer contraditório para quem ficou nua para milhões de pessoas na televisão. Para Mel, porém, ao entrar em cena, a situação é totalmente diferente. “Quando começo a gravar, a timidez não vem, porque o personagem é uma coisa e a atriz, outra. Além disso, a equipe que fazia a minissérie me ajudava muito ao deixar o ambiente mais agradável. Se fosse no teatro, talvez a situação fosse outra. No palco, as coisas são imprevisíveis”, afirma.

Mel gosta de fazer análise para discutir, entre outros assuntos, a sua timidez. “Mas nada relacionado diretamente a possíveis problemas que meu temperamento pudesse causar no trabalho”, ressalva. Em tempos em que as pessoas fazem de tudo para aparecer na mídia, ela se orgulha do seu modo de ser. “Mesmo que a gente não queira, a vida de atriz é tão exposta que é bom se preservar. Se eu forçar aparecer, posso perder o controle. É necessário o contato com a imprensa, mas não preciso ligar para dizer que meu namoro acabou”, ironiza, teorizando que o tímido já nasce com a vantagem de nunca pecar por excesso. “Em boca fechada, não entra mosquito”, conclui, rindo.

Outro artista que está entre aqueles que vão de encontro à essa época de superexposição na mídia é Rodrigo Santoro, o Diogo da novela Mulheres Apaixonadas. Um dos atores mais visados e considerado o galã do momento, Rodrigo, dentro do que sua carreira permite, não curte o modo Big Brother de ser, embora não tenha certeza se pode ser incluído na galeria dos tímidos famosos.  “Sou uma pessoa calma. Fui criado no interior, me acostumando aos poucos com o oba-oba da profissão. Nunca curti muito ficar me expondo, mas não sei se isso é o que os especialistas dizem ser tímido. Talvez eu seja uma pessoa discreta”.

 Ele justifica sua opinião dizendo que seu modo de ser nunca foi um obstáculo em sua vida e nem precisou de ajuda de algum especialista. “Tanto que virei ator”, brinca. Para Rodrigo, não há vantagem ou desvantagem em ter esse temperamento. “Cada um tem sua personalidade e toca a profissão da maneira que acha melhor.”

O psicanalista Luis Alberto Py não acredita em atores realmente tímidos. “Todo mundo se acha pelo menos um pouco tímido. A grande maioria dos artistas que dizem ser assim não sabe o que é timidez.”, diz, ressaltando que seria insuportável para este artista encarar o público: “Um tímido querer viver em cima do palco seria um contra-senso. Creio mais em uma personalidade discreta, que privilegie sua privacidade.” Py, no entanto, faz questão de separar esses artistas de compositores, como Paulinho da Viola. “Ele dá a impressão de realmente ser tímido, mas esse caso é diferente. Ele não vive no palco. Quando tem que enfrentar o público para lançar um disco, ele vai lá e pronto. Não é uma rotina.”

Para Py, timidez é um sinônimo de falta de familiaridade. “O tímido fica amedrontado, acovardado, diante de coisas que não conhece. Muitas vezes, as pessoas com uma agressividade inata maior acabam sendo tímidas, porque, como sempre olhamos os outros da maneira que nos vemos, a timidez passa a ser um modo de defesa da agressividade alheia”, explica, acrescentando que essa inibição é algo próprio de uma criança que foi educada com tudo sendo considerado perigoso. “Mas há aqueles que já nascem com isso também”, ressalva.

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