segunda-feira, 25 de abril de 2011

Alpa Luiz : "O samba hoje é usado e abusado"

Por Murillo Victorazzo e Walter Honorato ( jornal O Beija-Flor, out/2006)

Um emocionante e indignado manifesto em defesa do rádio e do samba. Assim pode ser traduzida a entrevista ao O Beija-Flor dada por Alpa Luiz, radialista que, há 40 anos, une e valoriza suas duas paixões. Com a legitimidade de quem considera uma "missão" seu trabalho, Alpa não hesita em criticar o espaço dado atualmente ao samba nas rádios: “Na década de 80, eram cerca de 40 programas de samba, hoje se contam nos dedos”. Pelo mesmo motivo, Alpa merece ser ouvido quando se indigna com a desunião dos sambistas. “No mundo do samba, cada um está cuidando de si”, lamenta ele, que, no momento, trabalha em duas estações: a Roquette Pinto 94FM e a Super-Rádio 1440 AM. Na primeira, é produtor jornalístico e, na segunda, apresenta o programa “Batida do Samba”, no ar, há quatro anos, diariamente das 16 às 18h.

O Beija-Flor - Como começou a sua paixão pelo rádio e pelo samba?
Alpa Luiz - Com cinco anos já adorava ouvir rádio. Acho que por influência do meu pai, que era ator. Nasci no Pará, mas vim para o Rio de Janeiro com meses. Sou na verdade carioquíssimo! Um apaixonado por rádio, pelo samba e por essa cidade! Gostava de ouvir Donga, Lupicínio, Carmem Miranda, os sambistas da época. Prestava também muita atenção no que locutores como César de Alencar diziam. Atraía-me ouvir aquelas pessoas falando comigo. A primeira coisa que fazia ao chegar em casa era ligar o rádio. Tinha sete anos e já copiava os locutores. Pegava um caixote de bacalhau, um cabo de vassoura e, na porta de minha casa, em Maria da Graça, imitava o César de Alencar. A vizinhança ia assistir o menino que era o César de Alencar do bairro. Com dez anos, fiz um teste na Rádio Mayrink Veiga, mas não pude ficar porque não dava para conciliar com a escola. Fui diretor da 94FM, da Fluminense, trabalhei na Metropolitana e também em televisão. Mas tinha uma coisa na cabeça: queria fazer um programa de rádio voltado para o samba. Tinha uma experiência no final dos anos 70, o programa “O melhor do Samba”, na então Roquete Pinto FM. Foi o primeiro programa de samba numa FM. Só tocava os clássicos, como Eliseth Cardoso, Cartola. A paixão pelo rádio me permitiu descobrir o quanto o samba é importante!

BF – O seu programa é o único que está no ar de segunda a sábado. Quem não entende de samba deve perguntar como você consegue...
Alpa – Alguns me chamam de maluco (risos)...Mas o principal é ter uma boa equipe. Temos o Pedro Lucas na reportagem e produção, o Roberto Tavares como operador de áudio, o Flávio Bezerra, como assistente de produção, e o Marcão, que é o coordenador do site. Queria ampliar a equipe, mas não tenho patrocínio. Seria importante ter mais estagiários, para ensinar para a nova geração a importância do samba. No quadro “Memórias do Carnaval”, temos depoimentos riquíssimos de sambistas antigos. São informações de uma época do carnaval. Temos também o quadro “Papo de sambista”, que é um papo informal sobre o samba atual. Há um quadro-homenagem ao estado do Rio de Janeiro, o “Rio Antigo”, que é um pretexto para falar das curiosidades do estado que sou apaixonado. Outro quadro, ocasional, são as entrevistas de solidariedade. Procuro encaminhar companheiros desempregados. Tem gente famosa que me confessa ter problemas para pagar aluguel. Outros me dizem que não podem fazer mais shows por falta de roupa, por problemas de dentição...São relatos dramáticos! Faço então uma prestação indireta de serviços: coloco no ar, por exemplo, um dentista, que divulga o que for do interesse dele. Em troca, peço-lhe para ajudar esse companheiro. O que tem de compositor de musicas famosíssimas passando até fome...Daí a minha revolta! O mundo do samba está desunido, cada um cuidando de si.

BF - O Beija-Flor - Essas experiências com sambistas em dificuldades parecem te chatear muito...
Alpa - Vocês não têm idéia...Já vi companheiros chegarem na Rádio querendo se suicidar. Tive uma experiência amarga com o Carlinhos de Pilares. Um dia ele me disse que estava com uma doença grave, e pior, sem recursos. Ele já estava magoado antes por não ser mais chamado para shows. Poucos colaboraram. Não é só a grana, é a palavra, o olho no olho. O que tem de grandes compositores sem acesso às rádios...Deveríamos seguir o exemplo dos sertanejos e do pessoal do axé, que são muito unidos. Lá um ajuda o outro; o sambista, não.

BF – O rádio e o samba são mais do que uma profissão para você, é uma missão?
Alpa – Talvez seja, sim...O rádio está desvalorizado, muito segmentado. As religiões tomaram conta dos meios de comunicação, principalmente o rádio. Não entro no mérito das religiões, respeito-as. Em relação ao samba, diria que está talvez até pior. Não há programa de TV, exceto o do Jorge Perlingeiro. Imagino como ele deve se esforçar para mantê-lo há anos. Agradeço pelo muito que o samba fez por mim. Mas no rádio hoje há cerca de seis programas, e num esforço pessoal. Na maioria, o horário é comprado para divulgar o samba. Não me conformo! Tirando esses programas, ninguém mais toca Jovelina, Agepê... O “Batida de Samba” foi feito para resgatar esses sambistas. Abro espaço também para o pessoal que está começando. Mas não aceito jabá! Quero ter a liberdade de dizer: “não vou tocar porque seu trabalho está ruim”. É missão sim, porque me toca profundamente haver companheiros que contribuíram com o samba não sendo mais lembrados. Hoje há uma discriminação maior com o samba, que é usado e abusado. Na década de 80, eram cerca de 40 programas de samba, hoje se contam nos dedos.

BF – Mas por que esta discriminação?
Alpa - Nos segmentos religiosos, por exemplo, uma música que fala do “diabo” não toca! Teve um profissional que teve que mudar o nome, porque o sobrenome artístico era Satã! Veja que absurdo!Há o modismo também. Certas emissoras não tocam samba porque acham que já era. Só tocam em época de carnaval, ou quando o artista está na moda. Tem gente que acha que samba é coisa de velho! A nossa sorte é que o samba é tão poderoso que ninguém consegue tirar o seu bastão.

BF - E o Alpa folião?Você já desfilou, sempre participa do carnaval?
Alpa - Tenho uma frustração: sou o único sambista que não sabe sambar!(risos) Fico ridículo sambando! Eu, garotinho, pegava o bonde e ia de Maria da Graça até o centro do Meier para ver o carnaval. Mais adulto, desfilava no Bloco das Piranhas, em Madureira! Na época não era tão “colorido” (risos)...O pessoal ia brincar apenas. Sinto saudades do carnaval de rua. Adoro as escolas e a LIESA, que cumprem o seu papel. Mas é na rua que ensinamos o garoto a gostar de carnaval. Hoje recebo marchas de carnaval horrorosas, mal gravadas, 15 dias antes do carnaval. Antigamente se gravava até quatro meses antes! Vamos recuperar o nosso carnaval de rua! Outra frustração foi nunca ter desfilado. Recentemente recusei o convite do Império da Tijuca, que homenageava meu amigo Sargenteli. Fiquei com medo de me emocionar. Mas um dia vou desfilar, sim.

BF – Como é a sua relação com os dirigentes e as escolas de samba?
Alpa - Sempre respeitei os dirigentes, e eles me respeitaram. Principalmente os que fazem um esforço enorme para manter suas escolas. Mesmo as ricas têm limitações. Já tivemos dirigentes que nos ajudaram, mas foi coisa entre amigos. Recuso-me a aceitar dinheiro fácil que não seja para empregar em algo da emissora ou no produto que trabalho, o samba. Mas, em relação à divulgação, tenho uma critica. No Grupo Especial e em parte do Grupo de Acesso, estou tranqüilo. Em outras escolas menores, porém, os presidentes precisam trabalhar mais a imagem delas. É necessário ter uma assessoria, alguém de comunicação. Não tem computador? Pega uma máquina de escrever! É o suficiente para dar uma notinha. Não precisa de muito dinheiro para se fazer esse trabalho.

BF - Qual a avaliação que você faz do trabalho de divulgação da Beija-Flor?
Alpa - As escolas deveriam se espelhar em como a Beija-Flor divulga a sua comunidade. Tenho muito respeito pelo trabalho do O Beija-Flor. É um exemplo de como se faz um jornal democrático, que reverencia os ícones da escola, mas abre um leque para além dela. Aliás, olhar os seus é uma característica da Beija-Flor. Parabenizo o Anízio, o Farid, a equipe do jornal. Outro dia, sem autorização do meu departamento comercial, anunciei os patrocinadores do jornal. Fiz isso, porque eles me dão a certeza de que ainda há empresários inteligentes, conscientes da importância do samba.

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