segunda-feira, 20 de junho de 2011

A arte de fazer um jornal diário

Por Murillo Victorazzo (resenha escrita ainda na faculdade, em 2003, revisada recentemente)

Ricardo Noblat passou, nos últimos 30 anos, por boa parte dos mais importantes órgãos de imprensa do País. Jornal do Brasil e as revistas Manchete e ISTOÉ são apenas alguns exemplos. Mas certamente foi como diretor do Correio Braziliense que o jornalista pode marcar o seu nome na imprensa brasileira. Em 1994, ao inovar graficamente e alterar a linha editorial do maior diário da capital federal, realizou a reforma mais radical em um jornal nacional nos últimos 40 anos. O resultado foi o aumento em 64% da circulação do Correio. É com tamanha bagagem que esse pernambucano de 52 anos escreveu A arte de fazer um jornal diário, da editora Contexto.

Entre diversos assuntos, são os detalhes da transformação que o jornal sofreu - e vem sofrendo - um dos pontos mais interessantes do livro. Afinal, “se o mundo está em contínuo movimento, por que os jornais devem permanecer parados?”, pergunta o autor. Para aqueles profissionais e estudantes da área que se incomodam com o conservadorismo da imprensa escrita, nada mais estimulante do que conhecer os “princípios gerais do Correio 2000”. Nesta parte da obra, Noblat compara item por item a filosofia de trabalho do jornal antes e depois da reformulação. Nada mais do que o ideal de jornalismo impresso desejado por ele.

O livro começa com o diálogo entre um jornalista e um leitor, no qual este faz perguntas difíceis de responder, mas que são a síntese da discussão que Noblat tenta levantar. Por que os jornais se parecem tanto? Quem compra jornais pensa como a maioria dos jornalistas? Por que os jornais têm tantas páginas se as pessoas têm cada vez menos tempo para ler? Quais os temas que interessam os leitores? O que fazer para atrair o jovem? A partir dessas indagações, Noblat, por meio de histórias vividas por ele ou amigos, dá uma verdadeira aula de jornalismo e faz um protesto veemente contra o modelo de jornal feito hoje em dia mesmo diante da queda de vendagem e de publicidade.

O desafio de enfrentar a televisão e a internet é a base para pensar o futuro da mídia impressa. “Os jornais morrerão, sinto dizer-lhes isso. Tal como existem hoje, tudo indica que morrerão. Só não me arrisco a dizer quando”, diz. Segundo Noblat, “a maioria das pessoas já soube o que aconteceu antes de abrir o jornal (...) Mas desconhece por que aconteceu. E não faz a menor idéia do que acontecerá depois.” Explicar a notícia e antecipar fatos seria então a chave do sucesso, assim como priorizar reportagens exclusivas, dar mais espaço para a interação com o leitor e atrair o público jovem e feminino

Polêmico, mas sem perder o humor, Noblat não esquece de questionar o trabalho de seus “coleguinhas”, desde a apuração até a edição. Põe em dúvida a legitimidade de determinadas maneiras de se conseguir informações, frisando que a ética sempre será prioridade na profissão, ensina a lidar com as fontes e sugere a melhor maneira de usar o off. Outro tabu que tenta quebrar é o rejuvenescimento da pauta. “O único meio possível de oferecer notícias que surpreendam o leitor é deixar quer os repórteres pautem o jornal de fora para dentro. Ou seja, da rua para a redação”, ensina. Embora ressalte que “não há receita para um bom texto jornalístico”, o livro dá dicas de como escrever bem: concisão, ordem direta, precisão, clareza e cuidado no uso dos adjetivos. Chavões e opiniões pessoais estão proibidos.

O sucesso de um texto depende fundamentalmente das primeiras linhas. Uma boa abertura é essencial. Para Noblat, no entanto, o lead tradicional já morreu. “Se até as mulheres para engravidar já não precisam conhecer os pais do futuro filho, por que para escrever ainda precisamos conhecer a fórmula do lead e respeitá-la?”, indaga, brincando. E acrescenta: “Se quisermos que o primeiro parágrafo de uma notícia continue atendendo pelo nome de lead, não brigarei por isso. Brigarei se teimarmos em redigi-lo do modo como o fazemos.”

Para provar que há inúmeras maneiras de se fazer um abertura fora do que acostumamos ver na grande maioria das matérias, o livro transcreve várias notícias publicadas em grandes veículos de comunicação com aberturas criativas. “O lead é inimigo do prazer que a leitura pode proporcionar. Porque inibe a imaginação e a criatividade dos jornalistas. E estimula a preguiça. Se as pessoas gostam de ouvir ou de ler histórias, como contá-las e escrevê-las com graça e esmero, se formos servos do lead?”, sentencia.

Entre críticas e ironias, extraem-se lições de como fazermos um jornalismo que talvez seja um tanto quanto idealista. No entanto, o que poderia ser mais um livro monótono de regras torna-se uma junção de ricas histórias com dicas, acertos, furos e sucessos. Ao final, dá-nos a sensação que estamos preparados para sermos melhores jornalistas.

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