domingo, 5 de junho de 2011

Europeus vivem a inenarrável vontade de ser brasileiro

Por Maria da Paz Trefaut (Valor Online, 06/05/2011 )

Na confeitaria La Rose de Vergy, numa das ruas mais antigas de Dijon, capital da Borgonha, a jovem atendente pergunta: "Brasileira?" Diante da resposta afirmativa, é tomada por uma espécie de euforia. "Ai, me leva com você!" - exclama, fazendo graça, enquanto embala uma geleia de cassis, receita típica da culinária local. Na crista da onda, o Brasil parece surgir como um novo Eldorado na imaginação de muitos europeus. Além de fantasias óbvias, sem respaldo na realidade, é visível que ano após ano o país vem se tornando um destino de espectro mais amplo do que aquele que imperava como atrativo para o turista do samba e do futebol. Os números positivos da economia têm ajudado. Ainda mais se comparados ao momento pouco animador vivido pelos Estados Unidos e Europa.

O Brasil que cresce atrai negócios na área da gastronomia e desperta curiosidade pela sua cultura. Conhecer a Península de Maraú, na Bahia, por exemplo, foi uma das melhores experiências que o chef italiano Gennaro Espósito, duas estrelas no Guia Michelin, teve no verão deste ano. Hospedado durante uma semana no Kiaroa Eco-Luxury Resort, definiu sua estadia como "uma viagem de sabor", que o deixou "encantado" com a cozinha brasileira. Adorou o pão de queijo, as moquecas e, especialmente, as frutas.

Voltar faz parte de seus planos. Ainda mais depois que um paulistano, sócio da Cia Tradicional de Comércio, visitou seu restaurante La Torre Del Sarracino, na Costa Sorrentina. Ele tira o cartão de visita do bolso para se lembrar do nome do cliente (o empresário André Lima) e pergunta se a Pizzaria Bráz é conhecida em São Paulo. Nesse caso, pondera, vale a pena voltar até para experimentar a pizza. "Os ingredientes que eles compram na Itália são os melhores que há", informa.

Em Portugal, não faltam amostras do Brasil que seduz. Paula Brito Nunes, criadora da Paulinha em Cascais - Boutique da Comida, ganha a vida recuperando receitas tradicionais da doçaria portuguesa e fazendo salgadinhos brasileiros. Um dos fortes de seu cardápio são empadas de recheio variado (frango, camarão, arraia, vatapá, bobó) e bolinhos de aipim com galinha, que vende a € 2,5.

Nos 19 anos em que morou no Rio, ela trabalhou numa emissora de televisão e aprendeu a cozinhar com uma empregada doméstica baiana, a Aparecida. Ao retornar, os ensinamentos na cozinha valeram mais do que o vídeo como alternativa profissional. Mas apesar do retorno que tem, o negócio não parece atraente o suficiente a ponto de mantê-la enraizada na terra onde nasceu: "Se eu pudesse, voltava para o Brasil hoje mesmo. Quer saber qual é a única vantagem de morar em Portugal? A medicina aqui é gratuita e no Brasil custa uma fortuna".

No mundo da lusofonia, buscar dividendos nos países com boas taxas de crescimento é uma opção para os portugueses em crise. Angola tem crescimento mais alto do que o Brasil (7,8% estimado para este ano), mas a maioria prefere vir para cá. É o caso da empresa Essência do Vinho, com sede no Porto, que produz eventos enogastronômicos, é líder do segmento em Portugal e tem feito ações pontuais no Brasil e em Angola nos últimos anos.

Apesar de a ligação histórica com os dois países ser semelhante, os empresários Nuno Pires e Nuno Botelho, sócios da Essência do Vinho, escolheram São Paulo para estabelecer, ainda neste ano, uma empresa semelhante à que possuem em Portugal. A justificativa: "as enormes oportunidades que o mercado brasileiro oferece e o potencial de eventos de vinhos e gastronomia que há para explorar".

O segmento gastronômico de luxo brasileiro também é a nova meta da Mafyl, empresa que comercializa azeites, chás, doces, mel e outros produtos portugueses, que atua primordialmente no mercado externo. Com canais em lojas gourmets como a Harrods, em Londres, a marca desenvolve embalagens ultra sofisticadas, que mais parecem vidros de perfume, nas quais acondiciona produtos expressivos do terroir português escolhidos a dedo. A dona, Ana Sousa Filipe, explica que a crise portuguesa tem levado ao fechamento de boutiques de comida tradicionais e que o mercado externo é a esperança dela e de muitos outros comerciantes.

Mas esse Brasil, para o qual "todos querem vir", tem um atrativo que supera os índices econômicos favoráveis. Quem envereda por essa explicação é o chef-executivo do Hotel Sheraton de Lisboa, Leonel Pereira, que morou em Salvador e no Rio, entre 2001 e 2004. Para ele, embora os últimos anos do governo Lula tenham atraído investidores, o que faz seus conterrâneos virem para cá é o mesmo espírito aventureiro que os levou a cruzar os oceanos nos Séculos XV e XVI. E isso não tem nada a ver com a crise atual.

Se fosse contar o muito que aprendeu por estas bandas, Leonel diz que precisaria escrever um livro. Por isso, prefere resumir sua experiência dizendo que aqui aprendeu a ser feliz com pouco dinheiro. "Sim, feliz, porque a felicidade existe no Brasil!", enfatiza, dando vazão à sua veia lusitana. "Acredite, a minha readaptação foi bem difícil quando voltei. Todos os dias sentia falta do vosso 'bom dia' cheio de alegria, logo pela manhã. Essa simpatia e esse bom humor não existem aqui. Nós somos um pouco os argentinos da Europa!".

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