segunda-feira, 20 de junho de 2011

Bao Chi, Bao Chi : um brasileiro na Guerra do Vietnã

Por Murillo Victorazzo (matéria escrita ainda na faculdade, em 2003, revisada recentemente)

Enquanto muitos fugiam da Guerra do Vietnã, Luis Edgar de Andrade foi, por vontade própria, ao encontro dela. Mas o que teria levado um jovem de cerca de 30 anos arriscar a vida como correspondente de guerra? Em entrevista a estudantes de jornalismo da UniverCidade, Edgar respondeu a esta e outras perguntas. “Eu achava que seria divertido para um jornalista ver a guerra”, explicou singelamente. Autor de Bao Chi, Bao Chi, romance que, misturando realidade com ficção, narra as dificuldades de um correspondente de guerra brasileiro naquela região, Edgar conquistou o público com sua simpatia e bom-humor. A obra, por sinal, já chama a atenção de cara por seu título. Significa “Não atirem, sou jornalista” em vietnamita, expressão constantemente usada pelos repórteres que se viam diante dos combatentes nativos.

A história gira em torno do repórter Miguel de Arruda que, ao perder o emprego, larga a namorada no Rio de Janeiro e parte para Saigon como free-lancer, a fim de cobrir a guerra. Ao chegar no Sudeste Asiático, apaixona-se por uma misteriosa brasileira que o acompanha na linha de frente. Ao longo do livro, numa mesa de bar, Miguel descreve sua adaptação à cultura e costumes do povo vietnamita, revelando os bastidores do conflito e o segredo de uma cobertura. Mostra ainda o ambiente de tensão, loucura, solidão e medo vivido pelos correspondentes.


Aos seus futuros colegas de profissão, Edgar explicou por que preferiu escrever um romance em vez de fazer um relato estritamente jornalístico de sua experiência no Vietnã: o antigo sonho de ser romancista falou mais alto. “O Fernando Sabino me disse uma vez que o jornalismo é muito bom para um futuro romancista”, contou, explicitando uma hierarquização em suas paixões. O autor revelou ainda ter escrito o texto na terceira pessoa para dar distanciamento e “transmitir emoção com fatos, não com palavras”. “Por causa da técnica de escrever na terceira pessoa, fui levado aos diálogos”, esclareceu.

Em tom de brincadeira, Edgar admitiu que a grande diferença entre ele e o protagonista do livro, é que este tinha mais mulheres e era mais inteligente. Ao relembrar a convivência com os soldados norte-americanos, lembrou que era possível notar a falta de motivação para lutar em uma guerra sem razão. “Essa foi uma das causas da derrota dos EUA”, garantiu.

Passar os dias lado a lado da tropa acabou levando o brasileiro a simpatizar com aqueles que antes rejeitava. Ao chegar ao Vietnã, com raiva da guerra e dos que a tinham, em sua visão, estimulado, Edgar planejava escrever um livro destilando críticas a eles. Mas, ao final da experiência, a sensação de estarem no mesmo barco acabou por criar certa empatia com os yankees. “Os correspondentes de guerra, inclusive, usavam farda rigorosamente igual aos dos combatentes”, observou ele, que, ao final da entrevista, confessou outro motivo que o levou à guerra: “Depois de muita psicanálise, percebi que transferia a raiva que tinha por várias coisas na época para o Vietnã”.

Sobre as diversas baixas entre jornalistas ocorridas no conflito, Edgar disse crer que muitas foram causadas pela falta de experiência militar: “Eu pelo menos tinha feito meu CPOR”.  Já para a mídia dos Estados Unidos, guardou elogios. Afirmou ter ela tido muita coragem na época, “apesar de alguns pecados”: “Em grande parte os EUA perderam a guerra por causa da cobertura da imprensa de lá, que colocou o conflito na cozinha dos americanos e mostrou a insanidade do ato”. A entrevista do veterano jornalista foi a incentivo que faltava para que os futuros profissionais se interessassem em ler o emocionante relato de um brasileiro que testemunhou o abalo pelo qual o mundo passou naquele inesquecível e turbulento ano de 1968.

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