domingo, 5 de junho de 2011

Os reis catalães (The Catalan kings)

Da The Economist (19/05/2011)*

Um debate popular entre os apaixonados pelo futebol é se o Barcelona - Barça para seus fãs - é o melhor time de futebol que o mundo já viu. É melhor do que o Santos da década de 1960 (a então casa de Pelé)? Ou o Milan da década de 1990? A resposta é gloriosamente incerta. Mas o Barça é sem dúvida a melhor equipe do mundo neste momento. É o adversário que os outros devem mirar. Considere as provas. O Barça venceu recentemente o seu velho rival, o Real Madrid, para ganhar o campeonato espanhol. Possui o melhor jogador do mundo, Lionel Messi. E vai para final da Liga dos Campeões, em Wembley, em 28 de maio, como o claro favorito (apesar de que seria tolice subestimar o Manchester United).

O Barça é também uma máquina de dinheiro. É, segundo a Deloitte, o número dois no campeonato mundial de maior bilheteria entre clubes de futebol, atrás do Real Madrid, com receitas de € 398 milhões (US$ 488 milhões), em 2009-10 (O Real ganhou € 439 milhões). O clube dobrou seu faturamento nos últimos quatro anos. No ano passado, o Barça assinou um contrato de patrocínio, por cinco anos, de no mínimo € 165 milhões com o Qatar Sports Investment, o que implicou colocar um logotipo comercial em suas camisas pela primeira vez. Barça e Real também têm a vantagem de que receberem uma quantia imensamente desproporcional das receitas de transmissão de televisão de La Liga, a Premier League espanhola. Dito isto, ninguém sabe o quão lucrativo é o Barça, nem como endividado.

Como é que um clube baseado em um dos locais mais sensíveis ao desemprego na Europa tornou-se o poder dominante no esporte mais popular do mundo? Uma resposta óbvia é que o Barça joga realmente como um time em um esporte que tem muitas prima- donnas. Mantém a bola em movimento, domina a posse e deixa seus adversários sob pressão constante. Mas há uma resposta menos óbvia e que tem implicações para além do campo de futebol. O Barça forneceu uma solução distinta para alguns dos problemas mais controversos da teoria da administração. Qual é o equilíbrio certo entre as estrelas e o resto do elenco? Você deve comprar o talento ou produzi-lo? Como você pode aproveitar o entusiasmo dos consumidores para promover sua marca? E como se combinam as vantagens de suas raízes locais com seu alcance global?

O Barça prioriza mais do que qualquer outro grande time a formação de seus próprios jogadores. Outros times de futebol frequentemente parecem as Nações Unidas. Entre os onze titulares do Arsenal, por exemplo, há, quase sempre, apenas dois britânicos. O Barça, pelo contrário, ainda é dominado por jogadores locais. O catalão é falado correntemente no vestiário. Oito dos principais jogadores da equipe são frutos de sua escola de futebol, La Masia. Isso inclui Messi, um argentino que se mudou para Barcelona ainda menino, e o treinador da equipe, Josep (Pep) Guardiola. La Masia é única entre as escolas de futebol. É uma escola que coloca ênfase tanto na formação do caráter como nas habilidades futebolísticas. Os alunos aprendem incansavelmente sobre a importância do espírito de equipe, do auto-sacrifício e da perseverança. Eles também são ensinados que o Barça é "mais que um clube": ela é a personificação do orgulho catalão, que manteve vivo o espírito da região durante os anos em que a Espanha sofria sob o regime fascista de Franco. Seus torcedores costumam exibir faixas que proclamam que "a Catalunha não é Espanha".

O Barça usou a idéia de que é "mais do que um clube" para cultivar um relacionamento de mútuo com seus fãs. É propriedade de seus próprios sócios (socis em catalão), que somam hoje 150 mil, em vez de acionistas ou magnatas estrangeiros. A gestão é de responsabilidade de uma assembléia formada por 2.500 sócios escolhidos aleatoriamente e os 600 membros mais antigos. O clube apóia vários esportes além do futebol e tem um museu popular em Barcelona.

O estilo de gestão do Barça é inspirado no pensamento de dois admirados teóricos. Boris Groysberg, da Harvard Business School, alertou que as empresas estão obcecadas demais com a contratação de estrelas, em vez de desenvolvimento de equipes. Ele realizou um estudo fascinante sobre bem sucedidos analistas de Wall Street, que passaram de uma empresa para outra. Descobriu que os analistas que trocaram de firma tiveram queda imediata em seus desempenhos. Parece que o sucesso dependia tanto de seus colaboradores como de seus talentos inatos. Jim Collins, autor de "Good to Great", argumenta que o segredo do sucesso a longo prazo das empresas encontra-se em cultivar um conjunto distinto de valores. Ainda que pese conversas sobre diversidade e globalização, isso significaria promovê-los de dentro para fora, valorizando as profundas raízes locais.

O Barça também abriu caminho na promoção da sua marca, um trabalho difícil na era da internet, quando a fofoca é abundante e a confiança, escassa. A proporção de marcas em cuja confiança dos consumidores caiu de 52% em 1997 para 22% em 2008, de acordo com a agência de publicidade Y & R. E as formas tradicionais de publicidade estão se tornando menos efetivas. Para combater o problema, algumas empresas tentam envolver os consumidores no desenvolvimento de suas marcas. A Lego, uma marca de brinquedos, convida Lego-cabeças para trabalhar com os seus designers na sua sede. O supermercado Asda convida seus clientes regulares para sugerir o que deve vender. Mas até agora ninguém foi tão longe como o Barça, que dá aos clientes uma intervenção direta nas grandes decisões.

O Barça também teve sua quota de erros. A tentativa da equipe de ampliar sua rede de recrutamento através da criação de uma academia de futebol na Argentina foi abandonada. Os tradicionalistas temem que ele esteja vendendo sua alma catalã em busca de acordos comerciais superficiais. E o futebol é um negócio imprevisível. A equipe passou por uma fase ruim no início de 2000. Outra queda poderia levar ao desaparecimento de seus volúveis fãs estrangeiros. Ou pior, mudar a sua lealdade para o Chelsea. Isso poderia causar a queda das receitas do Barça. Mas no momento o clube está no topo do mundo: um exemplo não só de proezas desportivas, mas de uma gestão inteligente.

*Tradução livre do blog

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