quarta-feira, 8 de julho de 2009

Como é confortante ler análises inteligentes e racionais...

Por Murillo Victorazzo


Basta ler algumas opiniões de leitores em jornais e blogs para lamentar e ter certeza de que saber ler e ter nível superior não são, infelizmente, sinônimos de inteligência e racionalidade no entendimento de fatos complexos. Maniqueísmos, simplismos, ilações fantasiosas e teorias conspiratórias encontram nesses espaços terreno fértil. Conhecimentos superficiais e cegueira doutrinária misturam-se e resultam, quase sempre, em comentários dogmáticos e até pedantes, como se fossem eles os donos da verdade e as relações internacionais, algo tão simples de se entender.

Política por si só é um assunto que desperta paixões. No entanto, tal sentimento não deveria levar as pessoas a transformarem cegamente suas ideias em dogmas e radicalismo, como se o mundo fosse preto ou branco. Para direitistas radicais, "comuna" tem que ser preso e quem se posiciona contra o golpe em Honduras é "chavista". Preferem minimizar a posição da secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, da ONU, da OEA, e até da União Europeia, que tem com alguns de seus principais líderes os direitistas Nicolás Sarkozy e Silvio Berlusconi. É melhor para suas fé cegas afirmarem que ser contra o golpe é defender o famigerado Foro de São Paulo.
Para setores de uma esquerda binária, o golpe foi uma conspiração de uma elite que odeia o povo e desejava tirar Zelaya do poder por ele estar beneficiando os pobres e implantar o "socialismo do século XXI" - seja lá o que isso queira dizer. Não importa a ameaça que mudanças em certas cláusulas constitucionais levam a democracias representativas. Ou a contradição que é acreditar que, se for pela "justiça social", regimes autoritários valem a pena. Ainda creem na "ditadura do proletariado" como antídoto à "democracia burguesa".

A sensação de um déjà vu anacrônico é inevitável. Parece que, para alguns, não se passaram 40 anos. Naquela época justificava-se tamanha polarização. Afinal, era difícil o mundo não ser visto sob cores pretas ou brancas - na verdade, azuis ou vermelhas...E o Brasil pagou um preço muito caro por causa dessa polarização internacional e cegueira ideológica interna. Hoje, chega ser risível, por exemplo, adjetivar Lula de marxista. É dada exagerada importância ao falastrão e projeto de ditador Hugo Chávez É um elemento desestabilizado? Sim. Mas seu poder não chega a tanto, ainda mais com o preço do barril do petróleo longe dos exorbitantes U$$100,00.


Ao invés de tentarem entender as posições dos líderes mundiais nesta crise a partir de princípios e regras que regem a ordem internacional, do jogo pragmático que há também por trás dela e de como funcionam as instituições internacionais que a regulam, preferem colocar tudo no saco de gatos ideológico e generalista de direita x esquerda. Seus radicalismos não permitem ver que mesmo esses termos têm nuances diferenciações. Se elogiamos a postura do Brasil no tocante ao golpe em Honduras, chamam-nos de petistas e levantam a "defesa" de Cuba perseguida pelos "comunas" de nosso governo.
Como diria o "filósofo", uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Elogiar a postura correta nesse caso, que é o que está em debate, não significa concordar com as contradições do governo brasileiro. Repudiar o golpe não leva necessariamente a apoiar as tendências continuístas de Zelaya. Criticar a maneira como ele foi expulso do país não é a mesma coisa que acreditar que ele não deveria ser julgador por prováveis crimes de responsabilidade.
Já se chegou ao cúmulo de dizerem que Obama é contra o golpe por ser de esquerda...Qualquer um moderado e instruído sabe que ser de esquerda nos Estados Unidos nada tem a ver com ser chavista...Beira o sacrilégio intelectual! Por essas que reconforta ler artigos inteligentes que exprimem nosso cansaço de mentalidades tão obtusas. Mais uma vez, o professor Mauricio Santoro acerta na mosca:
A Democracia Equilibrista
Por Mauricio Santoro (http://todososfogos.blogspot.com/, 07/07/2009)
No fim de semana eu conversava com um amigo sobre como o golpe em Honduras e os conflitos envolvendo Chávez trazem de volta cenas do radicalismo ideológico da Guerra Fria. Enquanto caminhávamos, fomos abordados por um rapaz que tentou nos vender o que alardeou como “um jornal comunista”. Caímos na risada diante do inesperado “como queríamos demonstrar”. Anedotas à parte, vivemos outra época, uma que abre possibilidades mais interessantes. A crise hondurenha ilustra os avanços e limitações deste novo cenário.
Começando pelos pontos positivos:
- Rejeição internacional unânime ao golpe, com atuação rápida da Organização dos Estados Americanos e cooperação das organizações financeiras internacionais (Banco Mundial e BID), que suspenderam os créditos ao país.
- Mudança de atitude do governo dos Estados Unidos, que condenou os golpistas - ao contrário do que fizera, por exemplo, na Venezuela em 2002 - e empreendeu esforços para negociar uma solução. Ainda assim, Washington não foi tão longe quanto latino-americanos e alguns europeus, que retiraram embaixadores e preconizaram sanções.

Aspectos negativos:
- O isolamento internacional dos golpistas não interrompeu a violência. Ao toque de recolher se seguiram outras medidas repressivas, como prisões ilegais, censura e mortes em manifestações de rua.
- Presença de consideráveis bolsões autoritários na opinião pública da região, com jornais de prestígio nos EUA e na América Latina defendendo o golpe como alternativa ao chavismo. O argumento mostra como a lógica da Guerra Fria continua forte. Como é difícil a consolidação de valores democráticos!
- Contradições entre as posições dos membros da OEA: em defesa da democracia em Honduras, com a suspensão do governo golpista, mas ao mesmo tempo votando pelo retorno de Cuba à organização, cometendo práticas autoritárias em seus próprios países, ou relevando-as em nações fortes. O problema afeta a vários atores envolvidos na crise – o que vale para Tegucigalpa não se aplica a Havana, Teerã ou Xinjiang.

Os golpistas hondurenhos apostam no prolongamento das negociações com a comunidade internacional, visando a evitar sanções econômicas (o país depende das remessas de emigrantes e da exportação de banana, café e têxteis) e se manter no poder pelo tempo necessário para organizar novas eleições e impedir o retorno de Zelaya.
No início da crise, analistas apontaram que os acontecimentos seriam uma vitória de Chávez e da ALBA. Essa posição foi defendida por inimigos do chavismo, que a usavam para criticar as ações do governo Obama, que julgaram negligente e fraco. A meu ver, o resultado foi outro e o golpe hondurenho tem mostrado os limites do projeto da ALBA: até os partidários de Zelaya temem a associação com Chávez e a polarização que seu nome desperta.
As bravatas sobre intervenção militar em Honduras se esvaziaram depois da exibição aérea no aeroporto da capital. Para desatar o nó do conflito, a intermediação dos Estados Unidos se mostra decisiva, o que indica o acerto da moderação adotada por Obama.

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