segunda-feira, 27 de julho de 2009

Com emoção e saudades, o fim de um tabu

Por Murillo Victorazzo
Crises crônicas, turbulência eleitoral, diretoria e técnico recém-saídos e uma sequência de quatro jogos sem vencer. Nesse cenário, o Flamengo partira para mais uma partida. Dessa vez em um campo no qual nunca vencera em jogos oficiais, a Vila Belmiro do Santos, cujo treinador, o renomado Wanderley Luxemburgo, faria apenas seu segundo jogo pelo clube
Não bastasse tais dificuldades, o jogo tinha outro simbolismo: era a milésima partida do time em Campeonatos Brasileiros, sendo o rubro-negro o primeiro time a chegar a esse feito. Se sempre fora difícil jogar na casa santista, mais ainda seria no jogo de ontem, em que pese as fragilidades do anfitrião.
Figura querida e admirada por todos no clube - seja atletas, funcionários ou torcida -, tanto por sua personalidade como pelo seu invejável currículo como jogador, Andrade recebeu a ingrata incumbência de dirigir interinamente o time diante desse turbilhão.
Ótimo volante dos anos 80, prata da casa rubro-negra, participou do maior time da história flamenguista, tendo sido campeão mundial e da Libertadores, em 1981. Dos seus cinco títulos de campeão brasileiro, quatro, 1980, 82,83,87, foram vestindo o manto mais querido do país (um foi, com perdão da má palavra, pelo rival Vasco, em 1989. Pecado perdoado!). É, ao lado de Zinho, o jogador que mais vezes venceu a competição mais importante do país.
No time de 1987, Andrade foi companheiro e amigo de Zé Carlos, goleiro que, se não está entre os melhores da história, também se destacava por sua simpatia e profissionalismo, sendo muito respeitado na Gávea. Zé Grandão, como era chamado, ganhou também a Copa do Brasil de 1990 pelo clube. Quis o destino, infelizmente, que um câncer o levasse, aos 47 anos, justamente numa semana tão tumultuada para seu time e seu amigo.
Andrade e o Flamengo, assim, entraram na Vila Belmiro de luto e pressionados. Após um primeiro tempo equilibrado, o Santos abriu o placar aos 21 minutos do segundo tempo. Mas Adriano empatou aos 32 e, aos 42, o jogador santista Pará fez contra, sacramentando uma histórica e importante vitória.
De virada, o Flamengo ganhava não só três pontos como alguns dias de tranquilidade. Como é marca do Flamengo, é na dificuldade e perante o ceticismo que as vitórias vêm. Andrade, no final, não segurou o choro ao lembrar de seu amigo Zé Grandão e dedicou-lhe a vitória. Um gesto que expressou o quão humano é, em meio a um futebol cada vez mais mecânico e mercantilizado. E uma vitória que deixou clara a estrela de um campeão.
De um campeão só? Provavelmente não. É claro que futebol é técnica e tática, mas, há momentos em que dá para acreditar em algo que extrapola a razão. Se, como já disseram, por mais cartesiano que seja, todo brasileiro tem uma pitada de candomblé, não se poderia duvidar que as mãos do campeão Zé Carlos, que salvaram o Mengo em diversas ocasiões, ajudou a levar, dessa vez lá de cima, seu amigo, seu clube e sua torcida a quebrarem um incômodo tabu e amenizar a crise.
O choro de um verdadeiro rubro-negro como Andrade, a lembrança de Zé Grandão e a vitória suada provavelmente levaram outros muitos flamenguista às lágrimas. Lágrimas de uma nação que, por alguns minutos, lembrou, nostalgicamente, de uma década e de um time inesquecíveis. E que, angustiada, espera a volta de melhores dias. Obrigado, Andrade! Obrigado, Zé Carlos!

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